Falo muito nos povoadores porque foram aqueles que , naturalmente, deram início à nossa história insular.
Do Minho ao Algarve, para aqui vieram os portugueses de então, povoar estas terras ignotas, sem conhecimento dos mares e dos ventos que, principalmente no Inverno, assolavam as ilhas e continuam ainda a fazê-lo nos nossos dias.
Foi esse desconhecimento dos mares e das terras que lhes eram destinadas, que obrigou Fernando Álvares Evangelho a ficar aqui abandonado, um ano inteiro, (reza a história) até que os companheiros da jornada voltaram e aqui se instalaram.
Esse nosso avoengo, devia ser homem de rija têmpera, destemido e audacioso, para ficar neste ermo desértico, com o cão - seria um “cão de água”? – que sempre o acompanhou e ajudou na caça do gado bravio com que se alimentou.
É uma história e não estória de fantasmas, aquela que nos deixou Fernão (ou Fernando) Álvares.
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Planta de Trigo |
Quando chegaram os companheiros já ele conhecia os terrenos, os montes e os vales e os sítios onde se deviam instalar. Foi o verdadeiro percursor, como que o enviado especial para preparar as terras que os companheiros desembarcados, por indicação dele, na enseada de Santa Cruz das Ribeiras, haviam de ocupar, desbravar e semear com as sementes que traziam nas suas bagagens.
Inicialmente a alimentação das gentes da ilha do Pico era constituída por algum trigo, abóboras, (havia quem colhesse dez a doze mil) e também erva dentabrun (raiz de erva parecida com feijão). Quando faltava o pão de trigo, único cereal conhecido, valiam-se de talos de funcho e nabos. A terra dava muita fruta especialmente pêssegos, marmelos, maçãs e figos. O vinho era do melhor. Muitos enxames de abelhas produziam bom mel.
Há a notícia do inhame em 1752. O milho foi introduzido na ilha em 1670 por Denis Gregório de Melo, capitão-mór general dos Açores.
A batata branca ou batata comum, chegou aos Açores e distribuiu-se pelas ilhas em 1775 e, veio de São Miguel para o Pico, em 1860.
Nos chamados “anos de fome”, os povos tinham dificuldade em importar cereais. Valiam-se pois, de raízes de fetos e outras ervas. Ainda conheci uma tia avó que nos contava que, num desses anos, “iam por terra dentro” à procura das raízes que, depois de secas, eram trituradas e moídas e dessa farinha faziam um bolo, que, embora intragável, servia para “matar a fome”.
Não há muitos anos o Sul do Pico era um celeiro de milho e de algum trigo. Nesta época quem atravessasse a estrada entre as Lajes e a Piedade, regalava-se ao contemplar os campos de milho, uns verdejantes ainda, outros a amarelecer, enquanto o trigo se ia ceifando e conduzindo para as eiras, afim de ser debulhado.
Saudades desses tempos que, parece, não voltam, pois é triste olhar agora para os campos e vales infestados de vegetação selvagem que quase “come” as casas. E as desfolhadas?
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Dentabrun |
ram o gáudio da juventude, principalmente quando aparecia uma maçaroca vermelha. Rapazes e raparigas tinham de manter-se com certo recato, pois estavam sob a vigilância dos mais idosos, até dos pais ou parentes...
A meio do serão, o dono vinha servir figos passados e aguardente, pelos mais idosos, pois a gente nova não apreciava a bebida.
De vez em quando, um dos presentes lançava uma cantiga de desafio, que era normalmente correspondida por um outro ou outra conforme o tema apresentado. E tudo decorria com ordem e harmonia. Outros tempos...
Hoje, como disse e repito, passar por esses campos e vê-los cheios de vegetação selvagem ou milheirais destinados à silagem, mete pena e causa dó, como dizia o velho adágio.
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